MESTRE GELEIEIRO LUIZ CARLOS

LUIZ CARLOS SANTINI MELLO DA LOWE GELEIAS

TEXTO POR JORGE GONÇALVES

A história que vou contar é sobre um Mestre que sempre teve uma forte ligação com a gastronomia, seja pelos ensaios e testes na cozinha, seja por raízes familiares

Desde cedo Luiz sempre esteve envolvido com sabores, seja na comida trivial do dia a dia ou em sobremesas. Teve como grande referência sua avó, que era culinarista, precursora de cursos de cozinha para um publico especifico, normalmente meninas que iam se casar naquela época e precisavam aprender tudo, do básico ao refinado. Agora imagine, em plenos anos  60/70 quando a difusão de chef de cozinha nem sequer era algo a ser cogitado, muito menos  fácil de se encontrar. Sua avó tinha uma mão para cozinha que era invejável.  Sempre muito independente, começou com as aulas após seu marido falecer prematuramente, e para se manter começou a lecionar, não queria depender de ninguém. Eram cursos concorridíssimos, e Luiz recorda que ela fazia papos de anjo, bolos, creme de nozes, uma cozinha que tinha pouquíssimos ingredientes processados, tudo feito a mão. Recorda também dela fazendo bala com leite de côco extraído por ela mesma. Tinha UMA PAIXÃO PELA QUALIDADE E PELA ESCOLHA DOS PRODUTOS E PELA FORMA DE APRESENTAÇÃO QUE ERA ALGO MARAVILHOSO, INDESCRITÍVEL… Fazia e vendia sequilhos de 8 a 10 tipos, entre eles araruta, canela, de uma série de ingredientes..  Fazia também suspiros…  e era uma miniatura, tinha por volta de 1cm de altura, todos branquinhos e no mesmo formato, todos feitos a mão e Luiz não entendia como ela conseguia fazer tudo aquilo com tamanha perfeição. Cresceu vendo toda essas gostosuras feitas por uma pessoa muito carinhosa, que ficava com os netos o tempo todo e gostava muito de conversar. Como não era uma pessoa de posses, presenteava com doces. Nos aniversários e férias todos sempre iam para Campos do Jordão, era um período com bons momentos que duravam cerca de 3 meses onde ela preparava todas  as saborosas receitas, uma memória inesquecível. Seu pai “puxou” a avó, mas não pros doces, e sim pros salgados, ele fazia almoços incríveis, não gostava de fazer a comida do dia a dia, então fazia feijoada, crepe, waffles, paella, cozidos… todos esses pratos marcaram muito a vida de Luiz. Sua irmã é chefe de cozinha, o que torna evidente que o dom gastronômico está entranhado no dna da família.

Cidade de Santos – foto: Google

Foi de um livro de aperitivos de seu pai que Luiz se inspirou para criar algumas receitas. A convivência com essas misturas e esses sabores e cheiros o faz lembrar os tempos em que a família se reunia e cozinhavam juntos.  Em frente a casa tinha um terreno bem grande que não era ocupado e passava um riachinho, e lá tinha muita framboesa e amora, frutas típicas de cidades frias. Existia uma empresa, a primeira fabrica de geleia de Campos do Jordão e que ficava numa parte alta da cidade, próxima ao palácio do governo, essa marca existe ate hoje mas não tem mais nada a ver com a cidade. Era uma marca pequena que produzia para a região e tinha uma geleia de amora que era, segundo Luiz, “de outro mundo”. Era fantástica por que eles plantavam a própria amora e as frutas vermelhas no quintal deles, o que a tornava tão especial para ele, que comia com pão fresquinho no café da manha quase todos os dias. Esse ritual o marcou muito, aquele sabor e aquele frescor das frutas. Essas memórias também serviram de inspiração para a criação de sabores. Todos esses elementos e memórias gustativas foram refinadas e algumas transformadas em geleias. A exemplo a geleia de laranja com grand manier, que é um licor de laranja francês e utilizado em uma sobremesa muito famosa chamada crepe Suzette, e seu pai preparava. Foi o que o inspirou a criar uma geleia carregada de memórias, referências e histórias.

Luiz colhendo jabuticabas – Foto: acervo pessoal

Há 15 anos Luiz começou a produzir geleias em casa, que além de ser um hobby, era algo que agradava muito seu pai, um grande apreciador.

Nessa época ele trabalha com algo que não tinha relação com o produto, era proprietário de uma concessionária da veículos. Seu pai sugeriu que fosse trabalhar paralelamente com outro negocio, e dessa ideia ele começou a pensar, planejar e se preparar.

Buscou por cursos que lhe dessem mais embasamento técnico e melhorar o resultado daquilo que já fazia no dia a dia e que com isso, pudesse escalonar e transformar em algo de maior proporção. De acordo com seu projeto e expectativas, não seria mais possível produzir de forma “caseira”, pois “uma coisa é a geleia que você faz para consumo próprio e outra coisa é a geleia que você vai envasar e colocar no mercado”.

Procurou capacitação no Brasil, porém o país é muito carente de cursos profissionalizantes, a maioria é voltado para produção de geleias caseiras, o que não te dá qualificação necessária para produzir em maior volume. Foi então que procurou uma escola técnica em São Paulo, e segundo sua avaliação o curso é apenas um começo… é interessante mas um pouco limitado, até deu uma base mas nada além, nada que propicie ter um negocio maior e bem estruturado.

A partir dai ele começa a procurar em diversos locais receitas que pudessem ser multiplicadas e mantivessem a qualidade em todos os aspectos. Buscou ajuda em teses de mestrado e doutorado, queria idealizar e tirar do papel um novo projeto. De fato ele leu todo material disponível até que encontrasse algo que o direcionou a definir qual seria a melhor técnica a ser aplicada.  Além disso, recorreu a informações fora do país, tendo como base algumas das maiores referências mundiais na fabricação de geleias artesanais como Christine Ferber, confeiteira francesa considerada a Rainha das Geleias e que produz mais de 200 variedades dentre elas tradicionais, regionais e originais e também Francis Miot, fabricante de geleias muito famoso da França, com um número significativo de títulos e prêmios. Porém constatou que ambos utilizam uma quantidade de açúcar superior a que pretendia usar em suas preparações. O objetivo era produzir uma geleia com pouco açúcar mas que mantivesse o sabor da fruta e a conservação,  e esse era um grande desafio.

Existem alguns processos e técnicas que são necessários para a formação do gel, ou seja, para que a geleia se “gelifique”. Além disso, pode acontecer algo chamado “sinerese”, que nada mais é que a liquidificação da geleia, um dos principais problemas que o produto (se não observados e corrigidos alguns fatores) podem apresentar após a fabricação ou durante o armazenamento, que contribui para depreciar sua aparência, mas não tem relação com deteriorização. O resultado final apresenta um aspecto aquoso e isso não é algo que o consumidor goste de encontrar no produto, precisa ser uma geleia ao mesmo tempo bonita, firme, gostosa e que ela se mantenha assim durante todo o tempo. Foi um estudo gigantesco e muitos testes até chegar no resultado pretendido.

Luiz então desenvolveu uma técnica para fazer um produto com 75% de fruta e com muito pouco açúcar na sua configuração e depois de estudar e pensar todos esses aspectos, erros e acertos, chegou a ao resultado final que tanto desejava.

“ Parece ser muito fácil fazer geleia mas quando você olha para todos os processos, é um trabalho realmente muito grande e eu, apesar de toda dificuldade hoje já consegui superar todos os obstáculos e temos um produto único por todos os fatores que aprendi e apliquei ao longo do tempo.”

Luiz Carlos Santini Mello

Muito mais sabor e baixas calorias,  não que a ingestão calórica fosse uma questão que tivesse que vencer, é porque o Mestre Luiz acredita que o excesso de açúcar na geleia causa um sabor diferente. Quando você inclui açúcares em sua receita ela vai mascarar o sabor da fruta e muitas vezes pode escurecê-la.

Quando se fala em ter menos açúcar, obrigatoriamente há a necessidade de algo que o substitua para que aconteça a ação conservante e com poder gelificante.  Frutas como goiaba, amora, framboesa e maça são ricas em pectina e pode-se trabalhar somente com a fruta e com uma quantidade suficiente de açúcar para a formação do gel, o que vai propiciar um produto muito interessante. E quando se trabalha com frutas com baixo teor de pectina, a exemplo o morango e manga, elas são pobres em pectina e então é preciso fazer a compensação.

As frutas se apresentam com mais e menos pectina em sua composição, e essa quantidade também pode variar de acordo com o grau de maturação das mesmas.

A Lowe utiliza no máximo 15% de sacarose (açúcar cristal orgânico) por vários fatores, primeiro que o açúcar não é tão processado quanto o açúcar normal e também não é o açúcar demerara nem o mascavo, que interfere no sabor e na aparência do produto. Segundo por que não se deve utilizar o açúcar mais processado por que você corre o risco durante o processo de cocção de ter uma inversão do açúcar, que resulta em inúmeros problemas como cristalização ou caramelização da geleia.

Definitivamente a geleia que Mestre Luiz trabalha prioriza o sabor e também pouco açúcar. Todos esses pontos levantados acerca do produto servem para esclarecer a todos que a formulação teve anos de processo para chegar nesse produto final e dificuldades enormes visto que quando se está começando, sendo artesanal e pequeno, além da falta de capital para investir em equipamentos necessários para se produzir uma geleia, seja um phmetro (para medir o ph da geleia) ou um refratômetro, foi extremamente difícil chegar num resultado como o que a Lowe oferece hoje.

Atualmente, são produzidos 22 sabores de geleia:

Abacaxi com pimenta

Abacaxi com hibisco

Amora com cachaça de salinas

Damasco com licor amaretto

Figo com nozes e rum

Bluberry com Armangnac

Kiwi com limão siciliano

Laranja com Grand Manier

Limão siciliano

Maracujá com Gengibre a Angostura

Maracujá com manga

Mexerica Clementine

Morango com abacaxi

Morango com vinho do porto

Tamarindo com manga

Gengibre com pimenta rosa

Tomate com manjericão

Pera com vinho pinnot noir

Maçã com especiais.

Maracujá com Gengibre e Angostura é a geleia favorita do Mestre Geleieiro Luiz. Angostura é um bitter e geralmente utilizado na aromatização de bebidas,  é produzida na ilha de Trinidad e Tobago e extremamente sofisticada. O maracujá e gengibre não tendo alto grau de gelificação fez dela uma geleia muito difícil de chegar num ponto em que ela apresentasse uma estabilidade e maleabilidade,  mas vencido o desafio, pode-se comprovar que o resultado é fantástico e combina tanto para aromatizar uma bebida quanto harmoniza perfeitamente em uma carne e também por ser uma geleia que tem uma acidez bem marcante, combina com embutidos ou queijos extremamente fortes como queijos de mofo azul.

A utilização de frutas frescas é muito presente em sua historia. Pessoalmente vai ao Ceasa de São Paulo e seleciona as frutas que vão compor as geleias. É ele quem as produz, testa e mede se os parâmetros estão de acordo com o que padrão adotado para o produto, embora tenha pessoas que o ajudam na administração e na cozinha, por que é um trabalho enorme a ser feito. Faz questão de estar a frente e atento a tudo, para garantir sempre a mesma qualidade.

Para o Mestre Luiz, a geleia tem que ter um grau equilibrado de gelificação, tem que ter uma consistência que, se você virar a colher ela não caia, mas ela não pode ser tão dura e ter o que chamamos de espalhabilidade, o que em sua marca considera ser muito boa. O Mestre não é a favor da geleia que tem baixa gelificação, senão ela não é uma geleia, segundo ele,  passa a ser um molho, e isso é algo que causa uma confusão muito grande no Brasil por que não temos graduações ou nomenclaturas definidas para as geleias.  

Algo importante a se pontuar  é o esforço que o Mestre Luiz e sua equipe fizeram para sair da categoria microempresa para limitada,  o que abriu portas e permitiu estar presente em alguns dos principais empórios sofisticados como Santa Luzia em São Paulo e diversos outros em quase todos os estados brasileiros, onde o publico que aprecia e que tem o paladar para escolher um produto que leve um licor e uma especiaria em sua composição e que consiga harmonizar com diversos outros produtos como queijos, pães, embutidos e bebidas. A demanda fez com que montasse uma estrutura que não é industrial mas também não é caseira.

“Existe um espaço adequado onde são feitos os nossos produtos, cercado de toda assepsia e de todos os processos de higienização, esterilização e pasteurização das geleias, mesmo que feitas de forma artesanal. Então isso é um custo bem razoável e que hoje não tem um financiamento para pequenos negócios que querem empreender e chegar nesse ponto, as garantias pedidas são altas e isso é uma grande dificuldade para um pequeno empreendedor como eu. Além das dificuldades de treinamento,  capacitação, em montar uma planta , financiamento, você tem dificuldades por que tem que seguir todas as normas pra se abrir um negocio porém sem nenhum incentivo ou treinamento dos órgãos reguladores, e você tem também dificuldade em adquirir os produtos, por exemplo, quando a gente compra uma pectina, é um saco de 25k. Então parabenizo todas as iniciativas como a sua e como a de empreendedores e feiras que fazem com que o empreendedor tenha possibilidade de colocar o seu produto a frente e mostrar de forma diferenciada que tem mercado de consumo para esses produtos, por isso nós temos nosso e-commerce que dá um suporte para nossas vendas e também participamos de diversas feiras de produtos artesanais com os melhores produtores de queijos nacionais entre outros produtos,  e tudo isso é que faz com que o pequeno possa mostrar seu diferencial,  a qualidade e o sabor, e ai a gente vai ganhando o mercado.”

A primeira geleia produzida foi a de amora e de framboesa, e a segunda é muito especial para o Mestre, de mexerica Clementine,  receita de sua tia, muito procurada entre suas opções. Como trabalha somente com produtos frescos, a Clementine vem de uma região espanhola do mediterrâneo, e ela é uma mexerica especial pois tem uma casca fina, que é utilizada na geleia, de sabor marcante, muito suco e praticamente não tem sementes. Elas são todas iguais, muito uniformes e esse fator transparece na aparência da geleia, o que é fundamente para o produto, que seja visualmente bonito.

Sobre exportação, Mestre Luiz fez um curso através da Apex, instituição ligada ao comercio exterior brasileiro e que incentiva a exportação de pequenos e médios produtores. Capacitado,  acredita que daqui pra frente possa pensar em algo inicialmente aqui pela região da América do Sul, mas por enquanto o foco é atender os clientes internos, aqui no Brasil.

E quando eu o questiono sobre o que que pensa e sente quando vê as pessoas degustando suas geleias, perguntando, interagindo, se interessando pelo trabalho, a resposta foi: 

“ olha essa é uma pergunta muito legal por que pra você se tornar um bom geleieiro, eu acho que você tem que sentir o que as pessoas estão te dizendo. Eu participei de diversas feiras com degustação do produto e uma das feiras ficamos diretamente na rua, em tendinhas todas bonitinhas degustando o produto e eu queria ter filmado a reação das pessoas na degustação por que quando participo, a gente põe pra degustar todas as geleias e o retorno é tão fantástico… quando você vê a expressão da pessoa, o sorriso e depois de experimentarem as geleias, isso te da um prazer e te faz sentir que está no caminho certo… e as pessoas estão gostando do teu produto e isso ai é um retorno muito importante. Então uma dica muito boa pra todas as pessoas é participar de feiras, por que você vai ficar frente a frente com seu consumidor e eles vão te dar respostas de todos os produtos, de tudo o que eles acharam e o nosso retorno tem sido bem motivador, é uma fonte de informação inesgotável para o produtor que se interessa e quer sempre melhorar a qualidade do seu produto.”

Qualquer mudança, seja ela física, virtual ou espiritual não é fácil! Mudança de carreira, reposicionamento no mercado (e isso eu posso dizer por experiência própria) é mais difícil ainda! Exige muita determinação, foco, interesse e, acima de tudo, paciência. Seja com o mercado, com o consumidor, com o novo e muito mais consigo mesmo! É como reaprender a falar, andar, a fazer as necessidades básicas.. É começar tudo de novo, do zero…

É louvável quando alguém, mesmo tendo habilidades na área, decide empreender em outro setor. É estimulante quando você descobre histórias como a do Luiz que, por conta de um hobby, mudou e transformou sua vida e carreira, foi atrás de informação, estudos e capacitação e fez o melhor para transformar sua idéia em um projeto, e de projeto, em uma realidade. E diga-se de passagem, muito bem sucedida. Que possamos ler, reler, entender o grande feito que ele realizou em sua trajetória e sirva para nos inspirar. Foram horas e mais horas, dias e mais dias investindo seu tempo em estudos e desenvolvimento intelectual de um produto que, em nosso país, ainda é muito pouco conhecido e consumido. E isso nos mostra que, com garra, tudo é possível.

Temos muito que agradecer e o que aprender com o Mestre Luiz!

Contatos:

Site: www.geleiaslowe.com.br

Instagram: @geleiaslowe

Lamentavelmente, após a finalização da entrevista e já em estágio de revisão de texto para publicar no blog, Luiz me informou que encerrou a empresa e não está mais no ramo.

Isso me fez pensar muito em outro texto que escrevi recentemente, a respeito de diferentes caminhos que nos levam a um mesmo lugar… e quem tiver interesse em ler, basta clicar AQUI

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