MESTRA GELEIEIRA ROSA MOURÃO

ROSA MOURÃO DA DEVERAS AMAZÔNIA

TEXTO POR JORGE GONÇALVES

Como uma guardiã da natureza, ela transforma de forma natural e artesanal os sabores da Amazônia em geleias e faz com que as pessoas possam ter novas experiências

Há tempos que a Amazônia vem sendo discutida, citada, e largamente noticiada por diversos motivos, alguns tristes e injustos demais, e outros, com muito orgulho. E foi exatamente o que me chamou a atenção, pelo resultado do trabalho desenvolvido por Rosa Mourão, que é doutora em Ciências Biológicas, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA e trabalha há mais de 20 anos com frutas e ervas da Amazônia na área de Bioprospecção de recursos naturais. O chamado da Floresta a tocou no início dos anos 2000, quando foi morar na Amazônia, dando inicio a uma linda história de amor.

A riquíssima biodiversidade e a capacidade de manipular sabores e saberes instigou sua criatividade a dar um passo importante em sua vida. Rosa já tinha uma paixão por doces, herdada de sua mãe Raimunda Veras (que sempre produziu com frutas nativas e passou essa paixão de mãe para filha) mas foi após fazer um curso em suas férias que despertou o interesse pelo mundo das geleias. Além de cursos online e também presenciais em Brasilia, ela foi até a França, mais precisamente na cidade de Lyon aprender o ofício com o chefe Jean Batiste, e foi ai que decidiu iniciar um novo projeto, a fabricação de geleias. Para essa nova empreitada, contou com a ajuda de duas pessoas importantes, sua sobrinha Valéria (Bióloga) e seu esposo Cláudio (Biólogo, doutor em Zoologia). Assim nasce a Deveras: a paixão de três acadêmicos por doces e pela floresta. Admiravelmente, os três são pesquisadores PhDs que buscam agregar valor às frutas e ervas amazônicas.

No início do negócio, quem produzia as geleias era Rosa e Valéria Mourão (tia e sobrinha) e com o aprendizado nos primeiros cursos, fazendo uso da técnica francesa foram adaptando as receitas para as frutas da Amazônia, realizando testes em laboratório da UFOPA.

O primeiro sabor de geleia que desenvolveram foi com a camu-camu, fruta nativa da Amazônia que tem maior teor de vitamina C do mundo.

Logo a cozinha de casa ficou pequena para a brincadeira, que se tornou cada vez mais séria: eventos, feiras, demandas por lançamentos e a preocupação de crescer sem deixar para trás a centelha de inspiração de onde surgiu este sonho. Por isso, acreditam que tão importante quanto o conhecimento tradicional é o trabalho científico: aliar os dois é ter o melhor das pesquisas e conhecimento da alquimia por trás dos insumos naturais, potencializando o melhor da matéria prima, como as sementes, raízes, ervas e frutos em comunhão com a floresta, valendo-se da sabedoria ancestral e acadêmica, criam produtos com ciência aplicada ao conhecimento tradicional de comunidades.

Consequentemente, esse rico e inspirador trabalho foi se expandindo e hoje contam com uma equipe de colaboradores que fortalecem cada vez mais a empresa. Auriane Queiroz é a técnica em alimentos responsável pela produção. Érica Rocha é a técnica em alimentos responsável pelos processos de fiscalização da produção. Maniusia Mota, que é graduada em Ciências Agrárias e graduanda em Biotecnologia, é a responsável pelo controle de qualidade. Matheus Figueira é o técnico em alimentos, estudante de Ciência e Tecnologia das águas e responsável pelas vendas, rotulagem e finalização dos produtos. Dulce Oliveira e Selma Ferreira que representam as parcerias da empresa com comunidades amazônicas.

Dessa forma, Rosa funda a primeira fábrica de geleias na “Pérola do Tapajós”, como ficou poeticamente conhecida  Santarém, uma pequena cidade de mais de 305.000 habitantes, localizada no estado brasileiro do Pará, onde o rio Tapajós se encontra com o rio Amazonas. É possível observar este fenómeno do “encontro das águas” da Praça do Mirante do Tapajós, no topo da colina.

“Nosso compromisso é desenvolver a economia da Amazônia nos âmbitos social, cultural, ambiental e financeiro – sabendo que além do dinheiro existem trocas de valor quando se envolve pessoas, ancestralidade e natureza.”

Rosa Mourão

Além das belas paisagens, é preciso contar sobre a Cueira, uma planta originária das Américas que aparece vegetando naturalmente nas matas de terra firme da Amazônia. O fruto é utilizado na produção de cuias que fazem parte de uma das classes de utensílios mais importantes na vida Amazônica. Simples, pretas, lustrosas e com diversos formatos e gravuras, são onipresentes no comer, no banhar, no celebrar e até no vestir. Todas as etapas de sua produção, corte, raspagem, tingimento e discagem são executadas de forma sustentável, e não afetam o meio ambiente.

As cuias são produzidas pelas artesãs das comunidades ribeirinhas do Baixo Amazonas e sua comercialização é uma importante fonte de renda para as famílias da região de Santarém e de comunidades localizadas nos afluentes do Rio Tapajós.  O artesanato das cuias tem origem no ofício indígena de quem foram herdadas as técnicas de fazer e de pigmentar naturalmente as peças.

A produção de uma cuia leva em média oito dias e fica a cargo das mulheres indígenas e ribeirinhas, que utilizam para o tingimento das peças a casca da árvore cumatê ou uaxuá, nativas da Floresta Amazônica. Os grafismos têm origens em diferentes etnias e culturas, e são usadas, tradicionalmente, para a coleta de água dos rios, armazenamento e consumo de líquidos e alimentos (como o tacacá), para tomar banho, retirar água de barcos e como objetos decorativos de casas e vestuário. 

Em 2015, o Modo de Fazer Cuias do Baixo Amazonas, Pará, recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.

Mestra Rosa e sua equipe promovem o que eu chamo de INTERCÂMBIO DE SABORES, algo importante para todos e que nem sempre é percebido pela maioria das pessoas. Essa movimentação de sabores e aromas nos permite experimentar de outras culturas, outras vivências e enriquecer cada vez mais nosso paladar. É como se tivéssemos um “arquivo” e lá deixamos guardado todos os sabores que já provamos, e a cada acesso a esse arquivo, resgatamos sentimentos, sensações e memórias.

Esse intercambio é importante para nos lembrar quem somos e de onde viemos e também para mostrar aos outros o nosso valor, nossa cultura e nossos sabores. É muito mais que uma troca, é um presente que se oferece um ao outro! O Brasil tem um vasto território, isso nos permite muitas experiências, de norte a sul, de leste a oeste, e em caso de frutas muito perecíveis ou uma safra muito pequena em determinada época do ano, por que não transformar parte da colheita em geleia e ter por muito mais tempo acesso a sabores tão especiais que nos fazem viajar e reviver memórias e grandes emoções?

E é justamente esse trabalho que a Mestra Rosa Mourão juntamente com Valeria, Claudio e toda equipe desenvolvem e nos presenteiam.

Dentre os valores estabelecidos para sua empresa, e com isso, a cada produto que é artesanalmente fabricado sob o comando da Mestra Rosa, devem ser:

Natural – Produtos criados com insumos naturais, mantendo ao máximo suas características originais.

Consciente – Atuação com conhecimento do todo e buscando o mínimo de impactos possível ao meio ambiente.

Valioso–  Pelo impacto que causa nas comunidades e pelo produto ofertado, que trazem em si o valor da floresta.

Sustentável – Com impacto social e econômico positivo sem prejuízos à floresta e suas comunidades

Ser um Mestre Geleieiro é muito mais que alguém que elabora e fabrica geleias, é ter consciência que pode ser feito o melhor, é ter preocupação com o todo, com a natureza, a saúde de quem vai consumir, aos impactos ambientais e sazonalidade das frutas.

Entre suas inspirações, estão o Professor Carlos Nobre – USP (projeto Amazônia 4.0), a marca Nakau chocolates da Amazônia, a marca agroflorestal Café Apuí e também pessoas que ao longo dos anos inspiram, além de serem parceiras de negócios, como Dulce Oliveira, que tem plantação de manejo sustentável de Vitória-régia e cultiva mais de 200 espécimes, além de desenvolver receitas culinárias. Mais uma fonte de inspiração é Selma Ferreira, que tem um Sistema Agroflorestal – SAF no seu território, trabalha com sementes nativas e desenvolve produtos de origem. Vanda Witoto e os povos tradicionais e originários da Amazônia também a inspiram e a faz querer continuar sua jornada.

A produção é totalmente artesanal e feita com ingredientes 100% amazônicos como camu-camu, araça-boi, pajurá, pupunha, flor de jambu, tucupi, cupuaçu, açaí, pimentas da Amazônia, cacau com castanha e vitória-régia, mantem parceria com aproximadamente 30 produtores locais, em sua maioria mulheres de associações, cooperativas ou iniciativas individuais, dentre elas: Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra – AMABELA e Cooperativa Campo em Movimento, Belterra-PA. Todas são comunidades carentes que veem na renda gerada pela venda dos insumos uma pequena melhoria na qualidade de vida. Os comunitários variam de 30 a 60 anos e não utilizam veneno na produção, são frutas e ervas orgânicas.

“Colocar produtos amazônicos no nosso prato pode ser uma maneira de usar o sistema capitalista para dar mais valor à floresta em pé, e assim ajudar a proteger não apenas a sua biodiversidade, mas sobretudo os povos que dependem dela para viver.”

Rafael Tonon

Para a produção das geleias, utilizam de pectina natural extraída da maçã e os tipos de açúcar usado são o cristal e o mascavo, ambos orgânicos, e não adicionam nenhum tipo de adoçante ou insumo artificial.

Fazem parte da linha os sabores de geleia: Camu-camu, Araçá-boi, Pajurá, Pupunha, Vitória-régia, Cacau com Castanha, Cupuaçu, Açai, Flor de Jambu, Tucupi, Pimentas da Amazônia, Cupuaçu & Pimenta, Tucupi & Pimenta, bem como conservas: Amazônica, Flor de Jambu e Vitória-régia e também licores: Flor de Jambu, Açai, Chicória, Tucupi com Pimenta e Camu-camu. As vendas são feitas em empórios, mercadinhos, panificadoras, restaurantes e e-commerce. E também em pontos de vendas fixos em Santarém-PA, São Paulo e Rio de Janeiro.

E com relação ás texturas das geleias, algumas são mais homogêneas, outras com pedacinhos da fruta, outras ainda arenosa (devido às características dos frutos), pastosa e viscosa. Algo importante de salientar é que a Mestra Rosa procura manter fidelidade à textura dos frutos e ervas para que se tenha a experiência próxima de se consumir ao natural.

E como disse anteriormente, o primeiro sabor de geleia que produziu foi de camu-camu, que é a Geleia preferida da Mestra Rosa Mourão.

Mais do que fornecedores, Rosa e sua equipe tem grandes parceiros. Um deles é o sr. Luis, que vive na comunidade de São Domingos na Floresta Nacional do Tapajós- Belterra e fornece o camu-camu. Até o inicio de março é possível encontrar a fruta, após esse período, com a cheia dos rios, as árvores ficam submersas. É de fato um fruto resiliente, assim como a vontade de que todo o seu sabor chegue ao máximo possível de pessoas e seja conhecido e reconhecido como um sabor extremamente brasileiro e amazônico.

O sabor mais famoso é o de Vitória-régia e os mais vendidos são os de Vitória-régia e Cupuaçu. Todos os sabores são desenvolvidas com ingredientes que brotam da floresta amazônica e possuem ciência e tradição em seus preparos. Um ode a valorização da Floresta Amazônica e aos povos que dela sobrevivem.

E por falar em Vitória-régia, uma sugestão de preparo com esse rico sabor é uma cheesecake de gengibre com queijo Boursin, coberta com a geleia de Vitória-régia, uma combinação sensacional!

E quando eu a perguntei sobre o que que pensa e sente quando vê as pessoas degustando suas geleias, perguntando, interagindo, se interessando pelo trabalho, a resposta foi: 

“Realização e força para continuar.”

E quando a pergunto sua opinião sobre qual é o sabor da vida, é cirúrgica:

“A Amazônia”

E para finalizar, com todos esses anos de vivência, aprendizado e ensinamentos, questiono o que é para ela ser um Mestre Geleieiro:

“Alguém que dedica seu tempo a estudar alquimia de frutas, ervas e deixa um legado de sabores e conhecimento no mundo.”

E o que é a Amazônia todos já conhecem um pouco, afinal, muito se fala sobre sua fauna e flora, mas a pergunta é: quem é a Amazônia? E com esse lindo trabalho desenvolvido pela Mestra Rosa, Valeria, Claudio e toda equipe, parceiros e colaboradores, podemos dizer que a Amazônia é seu povo, são todos aqueles que nela vivem e de seus recursos utilizam, transformam e aproveitam. Que buscam valorizar de forma sempre consciente o que lhes é dado pela Natureza.

A importância do trabalho em conjunto desses ecoempreendedores é tão enriquecedor para quem lá vive, quanto para quem pode se beneficiar dele. E levando em consideração todos os anos de estudos , testes, pesquisas, conversas, trocas, aulas, cursos e todo o tempo investido em melhorias e parcerias, devemos nos aprofundar nesse mar de informações e sabores que Mestra Rosa nos proporciona, temos que prestigiar e apoiar. Devemos nos inspirar e incentivar para que iniciativas como essa sejam cada vez maiores, mais difundidas, muito mais divulgadas e, sem sombra de duvidas, muito mais VALORIZADAS. Ainda é pequeno o conhecimento que temos da enorme quantidade de sabores disponíveis em nosso país, levando em consideração as dimensões continentais. Cada vez que você apoia, compra e compartilha com idéias e ideais como as de Rosa Mourão, e entende que esse lindo trabalho é único e essencial e que transforma a vida de muitas pessoas e é possível seguir seu exemplo, fazer a diferença e difundi-lo para que seja não somente um, mas vários projetos onde todos são beneficiados, o ganho é geral, e o mundo vai se transformando em um lugar melhor!

O teu ar respirar
Tua beleza contemplar
Embalando os sonhos meus
De ver-te sempre verdejante
Parte integrante
Deste país gigante
Que luta para manter-te inteira
Intacta, linda, majestosa
Amazônia, pulmão do mundo
Nossa sempre serás!

Autora: Mazé Carvalho

Contatos:

Site: em construção

Instagram: @deveras_amazonia

E-mail: deverasamazonia@gmail.com

Telefone: 93 991112611

fontes:

delborgo.com.br/artesanato/cuias-indigena-amazonia

Imagens de Santarém: Google e www.eulafui.com

4 comentários Adicione o seu

  1. Uma inspiração! Muito lindo o trabalho da professora Rosa junto a Deveras. Sou super fã! Parabéns e desejo muito sucesso.

    1. admin disse:

      Carol, é realmente um trabalho sensacional que a Mestra Rosa, juntamente com toda Deveras realiza, um grande orgulho, não? Eu fiquei apaixonado quando conheci e muito feliz em contar em palavras um pouco de como eles transformam os sabores em saberes e nos presenteiam com o melhor da Amazônia em forma de geleias! Sucesso para todos nós! 😉

  2. Marlene disse:

    muito boa a reportagem, muito gratificante fazer as coisas com prazer.

    1. admin disse:

      Muito obrigado Marlene! O trabalho da Mestra Rosa junto com Valéria, Claudio e toda equipe, parceiros e fornecedores nos presenteia com o melhor do país, com nossos sabores nativos e com um trabalho sério e incansável, devemos prestigiar cada vez mais e fazer com que mais pessoas tomem conhecimento. Obrigado pela sua participação 😉

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