MESTRA GELEIEIRA MARIA APARECIDA DE SOUZA E SILVA

CARINHOSAMENTE CONHECIDA COMO CIDA, DA ENGENHO DA TERRA

TEXTO POR JORGE GONÇALVES

Esposa do administrador da fazenda onde moravam, e que foi parar na fabricação das geleias meio que por acaso, é desde o início a Mestra Geleieira a frente de toda a produção, e hoje comanda mais de 8 funcionários

Mestra Cida | foto: acervo pessoal

E para contar sobre a trajetória da Mestra Cida, é imprescindível falar sobre quatro pessoas importantes que estão diretamente interligadas com sua história: em primeiro lugar, seu marido Bene, pois o fato dele ser o administrador da fazenda a colocou exatamente no lugar onde inicia seu ofício. Em segundo, Leon e Jette, proprietários da fazenda de kiwis, e em terceiro (mas não menos importante) Catherine, filha do casal.

Leon Bonaventure, psicanalista de origem belga e Jette Bonaventure, psicóloga e filósofa de origem dinamarquesa, se conheceram e se casaram na França e vieram para o Brasil no ano de 1968. Desde que chegaram aqui, trabalharam incansavelmente para apoiar, traduzir e estudar a obra de Jung, liderando grupos de pesquisa, escrevendo artigos, trabalhando em consultórios e inserindo o legado do grande psiquiatra e psicoterapeuta suíço no mundo editorial brasileiro. Eles fundaram a Sociedade Junguiana de Psicologia e foram responsáveis pela publicação de mais de 130 livros no Brasil.

Na década de 1990, após uma estadia com a família na Europa, voltaram ao Brasil com alguns propósitos. Para isso, Leon comprou um terreno, e iniciou o plantio e cultivo de algumas espécies pouco conhecidas no Brasil. Foi ele que introduziu em solo brasileiro o kiwi, tempos depois a atemoia. Além destas, cultivava também frutas vermelhas como morangos, framboesas e mirtilos.

Foi nessa época, há aproximadamente 30 anos atrás que Bene é contratado para administrar a fazenda em Campos do Jordão, e então muda-se para a propriedade com sua família. Cida dedicava-se integralmente em cuidar de suas duas filhas, e pelo fato da plantação render uma produção muito grande de kiwis, Jette a questionou se ela gostaria de começar a produzir geleias. Como era algo que Cida nunca havia feito, disse que não sabia, mas sua determinação foi maior e em resposta ela aceitou o desafio, dizendo que mesmo não sabendo, poderia aprender. E foi então que Jette foi até sua casa e a ensinou todo o processo.

Vistas de Campos do Jordão | fotos: Jorge Gonçalves

Com a ajuda de Cida, para não desperdiçar os pequenos frutos que não podiam ser comercializados, o casal começou a fabricar geleias para vender a amigos e pacientes do consultório. Levando em consideração que Jette sempre gostou de cozinhar e na Europa (diferente dos nossos hábitos e costumes aqui no Brasil) a geleia é uma forma de conservar as frutas ao longo do ano, e mesmo com suas carreiras muito bem sucedidas, sacaram uma grande oportunidade, e nascia então um novo negócio.

Mas Cida tinha outros planos para o futuro de suas filhas… ela queria que tivessem a oportunidade de estudar em uma escola melhor, e resolveu ir embora da fazenda, porém Leon não se conformava com a idéia de perder Bene e sua família. Foi ai então que, num gesto de generosidade, ele decidiu comprar uma propriedade em Conceição dos Ouros e instalá-los, afim de proporcionar o que Cida tanto queria para suas crianças. Iniciaram a plantação e ela ficou responsável por cuidar da polinização artificial das atemoias, chefiando uma equipe de pessoas que vinham de fora da cidade para realizar o trabalho.

Foto: Conceição dos Ouros – Minas Gerais

Simultaneamente, a safra de framboesas estava sendo colhida em Campos, e Leon convidou Cida a voltar a cidade para produzir geleias com o resultado da colheita. Ela saia de Conceição às sextas e retornava para casa aos domingos, e produzia com a ajuda de uma equipe local. Depois de algumas idas e vindas, passados dois meses, numa conversa informal e descontraída, por pura “brincadeira” Cida sugere que Leon construa uma fábrica de geleias em Minas, que ela cuidaria pessoalmente da produção. Eu acredito que ele não tenha entendido a proposta como uma “brincadeira”, pois pediu um tempo para pensar a respeito e amadurecer a ideia. Que ótimo seria se as pessoas aproveitassem melhor os insights e pusessem em prática como Leon fez…

Foto: 1ª. “fábrica”, em Campos do Jordão

Passados dois meses, o renomado psicanalista traz a Cida uma decisão que mudaria sua vida para sempre: de fato, a fábrica seria construída! E uma das peças-chave seria a parceria entre Cida e Catherine. Uma cuidando da produção, e a outra das vendas e administração.

Mas Cida naquele momento ainda tinha pouca experiência na produção, e até questionava como seria possível ela ter tamanha responsabilidade sendo que pouco sabia lidar com o produto, tampouco com pessoas, com situações adversas e com uma empresa. “Não, mas você vai aprender, e minha filha que vai tomar frente da fábrica”, disse Leon. E Cida respondeu: “então tá bom, então eu vou tentar…”

Foto: fábrica em Conceição dos Ouros

E foi ai que tudo começou… No início (em 2005) o espaço era pequeno, “um quartinho” onde trabalhava com mais quatro pessoas, lá mesmo em Conceição dos Ouros (cidade de Minas Gerais localizada na Serra da Mantiqueira, às margens do rio Sapucaí-Mirim, de relevo marcante com clima ameno e agradável) dentro da fazenda de atemoias, aproveitando a mão de obra dedicada dos mineiros. Cida foi aprimorando seus conhecimentos sobre a produção das geleias, desde verificar o pH e medir o grau Brix até todo controle dos processos. Uma experiência enriquecedora que, dia a dia, a fazia gostar mais do trabalho e de geleia. Ela via uma fruta e pensava “por que não fazer uma geleia?” E ficava ansiosa para fazer o teste e descobrir o resultado, qual seria a textura, o sabor e, instintivamente, foi melhorando suas práticas.

” Eu falo que eu tenho a faculdade da VIDA, e ali eu aprendi, sabe? Eu pego uma fruta, coloco na panela e vejo, começo a estudar a fruta, como ela vai ficar, e assim, eu gosto muito, nossa, eu gosto de fazer o teste e fico sonhando com aquilo. E estou até hoje, a 17 anos aqui na fábrica e 30 anos com a´ família, e eu gosto muito, gosto muito da minha chefe e é daqui que eu tenho essa experiência e fico feliz em fazer geleia”

Maria Aparecida de Souza e Silva

E quando sua primogênita Ligia tinha apenas 19 anos, Cida a convida para se juntar a equipe, que nessa época trabalhava em uma loja, e prontamente aceitou o convite, e desde então ela é seu braço direito na fábrica. Batalhadora e focada como a mãe, cresceu no oficio ao longo dos ultimos 16 anos, hoje casada e com uma filhinha, a Ana Lívia. Será que teremos uma terceira geração de Mestras Geleieiras? Sua filha caçula, a Hellen, também fez parte da equipe por 2 anos, e depois acabou migrando para outro trabalho em sua área, tecnologia da informação.

Ligia e familia
Hellen e sua filhinha

Com o tempo começaram a vender em lojas e posteriormente em redes maiores. Em 2006 a empresa aumenta sua produção e após passarem por auditorias, Catherine consegue inserir a marca em grandes players como Grupo Carrefour e em 2007 no Grupo Pão de Açúcar. A partir dai tiveram que criar um nome, uma estrutura maior, mas tudo continuou extremamente familiar e intuitivo.

Meses depois, a estrutura da empresa precisou ser ampliada e Cida, que foi parar na fabricação das geleias meio que por acaso, desenvolvendo seu gosto pela arte e aprendendo o ofício ao longo dos mais de 30 anos que trabalha com a família, é desde o início a Mestra Geleieira a frente de toda a produção, comandando 10 funcionários.

“Sempre significaram muito pra mim e minha família ,eles me depositaram confiança em iniciar a fábrica, por isso sempre dei o melhor de mim. A perda deles foi muito sentida, eles me consideravam como da família, sempre estarão no meu coração. Agradeço todos os dias a Deus por colocá-los no meu caminho”

Maria Aparecida de Souza e Silva

Mesmo não estando mais presentes e fisicamente entre nós, Cida sente uma boa energia, como algo que a motiva e ampara quando ela mais precisa.

E quando a pergunto sobre suas inspirações, ela lembra com carinho dos doutores Leon e Jette, e pretende seguir seus passos e ensinamentos para continuar o legado das geleias, e nunca pensar em desistir, pois eles depositaram confiança nela e enxergaram que poderia crescer e evoluir cuidando de uma equipe, e assim descobriu o que quer fazer até quando for possível.

Graças a seu trabalho associado ao de Catherine, à realização de vários cursos nas áreas de qualidade e segurança alimentar, a empresa detém os certificados IFS Food e Ecocert (orgânico), além de ter os planos APPCC e Food Fraud implementados na fábrica. Desde então, só aumentaram os cuidados, e o carinho ao fabricar as geleias permanece. Em 2014 implementaram na produção o plano APPCC, garantindo ainda mais qualidade e segurança alimentar aos produtos.

A produção é totalmente feita com ingredientes 100% orgânicos (tanto frutas quanto o açúcar cristal, o que também lhes confere o Certificado Orgânico Ecocert) e receita europeia e muita, muita dedicação! O equilíbrio da soma dos pequenos pedaços de fruta e açúcar orgânicos usados na medida certa fazem das geleias uma verdadeira tentação a cada colherada!

E como disse anteriormente, o primeiro sabor de geleia que produziu foi de Kiwi, atualmente fora de linha por baixa venda, seguido por Framboesa, hoje fora de linha por alto preço da fruta.

O sabor mais famoso é o de Morango e o mais vendido é o de Pimenta. E embora seja difícil escolher apenas um, o sabor preferido da Mestra é o de Gengibre: quando começa a comer com torradinhas, ela preferia nem ter começado, pois não consegue parar… adora gengibre!

Fazem parte da linha os sabores: Amora, Morango, Uva, Pimenta, Gengibre, Goiaba, Limão Siciliano, Manga, Maracujá, Banana, Abacaxi e Tomate com Pimenta além de fabricarem geleias para terceiros, com e sem açúcar e combinadas com especiarias. E com relação às texturas, a geleia de Limão Siciliano e a de Pimenta são mais firmes, próxima a da textura de gelatina. As demais são cremosas. As vendas são feitas em mercados de grande fluxo (marca própria e terceiros), lojas de produtos naturais e empórios, e já exportaram através de um cliente para o qual prestam serviço.

E quando eu a perguntei sobre o que que pensa e sente quando vê as pessoas degustando suas geleias, perguntando, interagindo, se interessando pelo trabalho, a resposta foi: 

“me sinto muito feliz, amo falar sobre as geleias, as pessoas sentem que falo com muito amor sobre meu trabalho”

E quando a pergunto sua opinião sobre qual é o sabor da vida:

“O sabor da vida depende de como você tempera, a minha eu gosto que seja doce. Devemos viver intensamente, sermos felizes, estar próximos de quem amamos. Essa é a melhor forma de se viver e fazer o que gosta”

E para finalizar, com todos esses anos de vivência, aprendizado e ensinamentos, questiono o que é para ela ser um Mestre Geleieiro: “é descobrir uma nova forma de degustar uma fruta, e agregar sabor em outros alimentos, é fazer parte do café da manhã, do churrasco em família. A geleia pode estar presente em todos os momentos do dia.”

Quando Cida respondeu: “então tá bom, então eu vou tentar…” posso dizer que ela tenta até hoje, e sempre consegue se superar! Eu imagino que seja uma vitória tão grande para ela olhar para trás e ver o quanto aprendeu, o quanto tentou, e o que conseguiu! Não tem como conhecer uma história como a dela e não se inspirar, a olhar para si e pensar em quantas oportunidades tivemos e não seguimos adiante, as vezes por medo, as vezes por insegurança, por falta de conhecimento, por falta de fé ou de confiança em nós mesmos… Que Cida seja uma referência e exemplo de determinação, de alguém que não sabia como fazer, mas soube aprender, acreditar e vencer!

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